quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Meu querido Jorge - A história de um cão idoso

Humanos, aqui vai o final triste, mas justo, da vidinha do meu irmão Seu Jorge, escrito pela mamis na época (24/03/2013) e replicado aqui, nas palavras dela. Confira e NÃO chore hihi




Depois de algumas semanas que meu “véio” se foi, eu consigo escrever sobre sua história, pra que vocês conheçam como esta criaturinha mudou minha vida e me fez enxergar e entender o que é e como é a velhice no dia-a-dia. Que me mostrou que amor não tem idade, não tem raça.

No dia que chegou aqui em casa

Era dezembro de 2009 quando uma amiga protetora, Isabela, viu um “pinscher” magro e perdido, correndo na chuva, no meio de uma avenida movimentada. Lá foi ela correndo atrás dele, que a mordeu, tentou fugir de todas as formas, mas estava muito cansado e se rendeu. Ela conversou com pessoas de um posto próximo e disseram que foi abandonado por um carro naquele mesmo dia. Ainda havia marca da coleira que devia usar no pescoço. Levou pra casa e fez tudo que tinha que fazer. Quando ele se sentiu mais fortinho, não se deu com os outros cães dela e, por ser idoso e pequeno, ela teve que mantê-lo trancado no banheiro até arrumar uma solução pro caso. E ele uivava dia e noite sem parar. Então, ela me ligou desesperada pedindo ajuda, pedindo por um cantinho, até adotarem ele. Na época eu tinha o Jet, o Gato, a Pupi e o Zorro e um quintal bem grande e aceitei.

Levamos no veterinário e descobrimos que ele tinha cerca de 12-15 anos, mas gozava de boa saúde, fora os dentinhos, a maioria quebrados ou faltando. Foi castrado, vacinado, “engordado”. E foi ficando... “Pegamos” um amor por ele do qual não poderíamos mais largar. E sempre com aquele pensamento: “vamos dar um finalzinho de vida digno ao nosso velho, né?”. Pronto, mais um pro clã Siebert-Müller.

Dando uma palestra numa escola, mostrando a importância da adoção de cães, castração e amor de um cão idoso


Seu “esporte” preferido era dormir encostado em alguém, quentinho

Ele sempre foi um cão muito alheio à tudo que acontecia ao seu redor. Achamos que era por conta da idade já avançada. Mas também era muito carinhoso e vivia querendo deitar do nosso lado e dos seus irmãos, mesmo eles não gostando disso, ele nem notava! O Gato ele nunca percebeu que era um gato, eu acho. Tomou muita lanhada dele ao esbarrar sem querer, deitar do lado, essas coisas. Era cheio de manias: só dormia no alto. Ou no sofá, ou numa cadeira de plástico, onde coloquei a caminha dele. E a idade, que já era avançada, foi tomando conta do corpinho e mente desse guerreirinho. Veio a Nana, o meu querido Chico, morto envenenado no bairro antigo que eu morava, a Tica, que foi adotada... E ele não se importava, ou melhor, nem notava novos membros na família.

Um dia, do nada, ele começou a berrar, correr, bater com a cabeça na parede e convulsionar: hoje desconfiamos que eram AVCs (nunca teve um diagnóstico confirmado, com cerca de 5 episódios). E a cada crise, ele ficava mais “caduco”, andando muito em círculos, ficava no sol até “torrar” se não fossemos buscar/levantá-lo, se “trancava” nos cantos da casa, de cara com a parede, como se tivesse preso, já estava com a visão bem ruim e não ouvia mais nada também. Mudamos de casa. O Jet se foi. O Gato também. Veio a Luna e o Darci, quando Jorge já estava nos seus piores dias.

Dormindo com o papis

Darci e sua paixão exagerada pelo velhusco. Esses dois não se desgrudaram até o último dia...

O meu dia era preenchido por ele. Não sei se sem ele eu poderia ter aguentado a morte do Jet e do Gato, juntos. Sem ele, não sei se eu levantaria da cama nesses dias que eu estava muito ruim. Era preciso, eu não tinha escolha. Ele dependia de mim: eu nunca saia de casa por muitas horas. Se fazia, contratava babá pra cuidar dele. Eu me doei tanto pro meu velhusco que, assim como ele de mim, eu fiquei dependente dele. Nós ficamos. Era cerca de meia hora pra dar almoço pra ele (ele não sabia mais onde estava a comida, não se concentrava pra comer) e meia hora do marido dando jantar pela noite, quando estávamos com sorte. Era uma rotina bem maluca, de limpar xixi (ele já não segurava mais), forçar comida, dar água, limpar caminhas, fazer com que ele não se machucasse, não batesse com a cabeça, levantar ele cada vez que caia, dar banhos quando caia em cima das necessidades etc. Adaptamos a casa pra ele, mas ele continuava se machucando. Então ganhei um chiqueirinho de criança, todo estofado, pra colocá-lo quando saia de casa, pra não se machucar. E foi ali, nesse “lugar seguro”, que ele partiu.

Era um dia de sol e eu estava saindo de casa, coloquei o chiqueiro no quintal com ele e fui me arrumar. Um tempo depois fui ali colocar ele pra dentro e vi que estava pegando um pouco de sol lá. Corri. Lá estava ele, imóvel. Lá estava eu, pedindo desculpas sem parar pra ele. Metade do corpo dele estava no sol e, com toda culpa que costumo carregar, achei que tinha sido disso que ele tinha morrido. Não sei se ainda acho. Mas eu já me perdoei, se foi. O coração dele estava bem fraquinho na última consulta veterinária e ele deve ter morrido disso. E eu achei que estava preparada. Desde 2009 eu achei que estava preparada. Mas a gente nunca tá.



Lá estava ele, todo dia, andando, andando sem parar, até a gente tirar ele do quintal e colocar na caminha. Talvez essas super caminhadas diárias, que ele fez até o último dia, tenha sido o segredo pra longevidade.

Últimas fotos tiradas dele: de fraldinha pra dormir (que ele tirava), comendo sentadinho e no chiqueirinho

Aprendi com esse anjo a ser paciente. Aprendi a ver um lado dos idosos que eu não via. Aprendi a amar acima de todos os defeitos e aparências. Aprendi também, que as pessoas não respeitam e rejeitam os mais velhos. Riem de seus defeitos, como se nunca fossem ficar assim. Aprendi a não ter pena dele; ele não era digno de dó, mas sim de admiração, por ter lutado contra o tempo de maneira tão gentil e tranquila. Ele não estava sofrendo quando as pessoas falavam “que pena dele, por que não eutanasias ele?”. Porque ele quer viver, oras! Porque ele não sente dor! Porque EU posso remediar todo o possível desconforto dele, por enquanto. Cães (e a maioria dos animais) não tem o lado psicológico complexo como o nosso, eles aguentam não ter uma pata, ser manco, ficar cego ou surdo. Eles aceitam, eles se adaptam. Eles não vivem pelo o que eles não tem, e sim pelo o que eles tem.

Foi “só” isso que esse serzinho, que deve ter morrido aos seus 18 anos, me ensinou. Foi o meu único animal que morreu por conta da idade. E mesmo com todo trabalho que tive, espero cuidar de todos os outros até essa idade.

Espero ter te dado um “final de vida” lindo, meu filho, já que não pude te dar uma vida inteira.

Comente: