quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Ganiza ♥

“- Oi, Mari? 
- Oi...
- Perdemos o Ganiza. Desculpe, nós...
- Oi??
- Perdemos o Ganiza.
(silêncio)
- Ele teve uma parada cardíaca durante a anestesia, bem no começo da cirurgia e...”


Desliguei o telefone e um buraco se abriu na minha frente.



Eu sempre fui muito íntima das palavras. Sempre me alivia muito escrever o que eu sinto. Alegrias, tristezas, experiências. Acho que por essa intimidade que também a Página do Darci funciona, por eu poder ser outra, através dele, por meio das palavras. Não que eu escreva bem, mas sei usá-las pra expressar o que não consigo de outra maneira.


Eu estava tão confiante. Sim, aquela pontinha de medo, assinar o termo de responsabilidade, a veterinária avisando que não ia ser fácil, que ele era idoso. E eu só pedia: deixa ele vivo, que o resto a gente dá um jeito. E não deu pra dar esse jeito.

Fiquei olhando pro telefone: só podia ser um erro. Ela vai ligar dizendo que ele acordou. Que vai demorar, mas vamos conseguir. Mas o velho e maldito ditado se encaixou direto aqui: só pra morte que não temos remédio.

Senti um enorme NADA, no começo. Depois um desespero: onde ele está, não é possível, tem algo errado, preciso ver! Em seguida o vimos, inerte na maca. O mesmo pelo, o mesmo corpo, a orelhinha. Abri os olhos dele, cor de mel, pois o que eu mais gostava nele eram esses olhos. Eles estavam ali e eu tinha vontade de berrar, sacudir. Viva! Porfavorzinho... O Vitor brigava com ele, perguntando por que ele fez isso com a gente. Queríamos mais um pouco, mais um abraço, mais um beijo, mais um olhar pidão, mais um sorriso.

Trouxemos ele pra casa e o enterremos no terreno que compramos, que é em frente à nossa casa atual. Sempre falamos: nossa, mas esse Ganiza tem sorte, quando construirmos ele vai continuar na rua que ele ama! E vai, pra sempre. Perto do Jorge.

Nos quatro anos que cuidamos dele, uns dois foram na rua, com casinha, comida e tudo que tinha direito. Na época ele não queria a prisão de um terreno, tinha a alma livre de anos de rua e muita sorte. Há um ano, mais ou menos, ele se meteu em brigas e vinha me pedir socorro: passava uma temporada aqui e pulava de volta pra rua. Certo dia apanhou muito feio de uns cães e resolveu ficar. Mas não todo o tempo, sempre dava um jeito de escalar o muro, mesmo com as nossas tentativas de aumentá-lo. E dava suas famosas e temidas voltinhas, mesmo me matando de preocupação. Dava uns 15 minutos eu ia atrás dele e ele tava sempre de boas em algum vizinho, deitado numa sombra, coisa do tipo. E de uns tempos pra cá, uma vez ou outra ele ainda conseguia fugir, mesmo com as pernas lhe falhando na maioria das tentativas. E eu tinha aquela angústia que ele fosse atropelado ou maltratado por algum humano. O que nunca aconteceu.



É difícil chegar no portão e não ver ele pedindo pra entrar ou sair. Não assoviar e ele vir correndo lá na esquina, quando é hora da janta. Não ouvir o Darci berrar me avisando que ele vai pular o muro. Não ouvir o latido preguiçoso de “ok, vou dar uns três latidos pro lixeiro também pois, afinal de contas, sou um cão”. Não ter ninguém chamando pra cama depois do jantar, como ele fazia todos os dias com o Vitor. Ultimamente, era o único que dormia na cama com a gente. E ocupava um bom espaço com seus 22kg.

Fui tentar dormir agora e não consegui. Não tinha ninguém pra eu “não chutar”. Ninguém pra rosnar quando eu chutasse sem querer. Ninguém balançando aquele rabo torto quando eu chego na cama, sempre depois dos dois dorminhocos. Um vazio físico e nítido.

Depois de enterrarmos, fiquei com raiva. Raiva do mundo, das pessoas que disseram que tudo ia dar certo, das veterinárias, da ciência, de mim. Sobretudo, de mim. Eu que levei ele pra ser morto. E nem me despedi direito. Ele já tava com dor, sim. O tumor crescia a olhos vistos. Mas ele estava medicado e sempre com aquela carinha de amor dele. Culpa, essa miserável. São tantos “se”. E raiva do sofá. Falei na hora pro Vitor: pega a m#@$% daquele sofá e joga fora. Não quero mais aquele sofá. Não vou sentar lá. Pois lá é minha imagem dele aconchegado no colo do Vitor, e acho que era a sua maior felicidade. Mais do que passear na rua livre. No fim da noite deitamos no sofá e ficamos ali. Sentamos lá na frente da calçada olhando pra esquina dele. Sem falar nada.

O Zorro, a Nana e a Luna parecem confusos com o que aconteceu. Nos seguem com aquela cara de: “que foi? Cadê o Ganiza?”. A Pupi sempre foi muito sensível e ficou quietinha do nosso lado, oferecendo um olhar companheiro e a cabeça prum eventual carinho. Já com o Darci, é tudo intenso. Ele ama, acolhe, se joga, lambe as minhas lágrimas e se desespera quando soluço. Eu deixei ele ver o Ganiza morto. Ele chorou muito no portão e o corpinho estava no carro. Então eu deixei ele ver. Não entendi a reação dele. Cheirou, cheirou, me olhou, meio que deu uns passos pra trás, sem tirar os olhos, e voltei com ele pro quintal.

Em casa não sabia o que fazer. Minha amiga, Mari, fez um post avisando os fãs, que estavam ansiosos por notícias. Eu não consegui olhar mensagens na internet, pois sei que nada me confortará. Não atendi telefone. O Vitor só me dizia que tinha muita gente mandando força. Cada canto da casa lembra ele. Guardei os remédios, as receitas, os laudos. Desabei em sono profundo por algumas horas da tarde, exausta.

Noite passada tinha ficado com ele a noite toda, nervosa, sem dormir. A respiração estava pesada, já pela pressão da massa. Deitou o Vitor, ele no meio, virado pra mim, com a cabeça no meu travesseiro, e eu. Segurei a patinha dele e caia no sono às vezes. Acordamos, o Vitor deu um abração nele antes dele sair da cama e eu dei uma volta na quadra, seu último passeio, gravado no Snapchat. Ele estava ali, vivo, andando, comendo. Estávamos tão confiantes. E eu levei ele lá.

Agora, madrugada, eu aqui escrevendo, Darci chora baixinho do meu lado, igual quando ele pede pra abrir a porta pra fazer xixi. Abri a porta e ele cheirou dentro das três casinhas, foi cheirar em cima do banco, onde ele e o Ganiza passavam o dia, foi lá no canto do varal, no “banheiro” do Ganiza e, por fim, foi até o portão e ficou olhando pra esquina. Chamei ele e expliquei que ele não vai voltar. Não dessa vez.




E eu daria todos alfajores argentinos do mundo pra ele voltar. E deixaria ele ser livre o quanto quisesse. Melhor, eu iria com ele. O olho brilhava quando ele percebia que a gente ia dar a voltinha com ele. E daria o dobro de comida. Porque uma coisa que ele gostava muito era de comer!

Mas vocês têm razão: ele foi feliz. Muito, muito, muito. Pelo menos no tempo que pudemos dar pra ele. Poucos seres no mundo tiveram o que ele teve. E ele teve o que quis, o que pediu. Menos esse final. Sobre o final, não sei, nem nunca vou saber o que ele iria escolher. Também nunca saberei se fiz certo ou errado. Já não importa mais.

Agora, só o tempo.

Que o seu céu seja tão bom quanto foi sua terra, meu lindo anjo, meu Lord, meu pinturinha, cara de coração. E me perdoa. Porfavorzinho.

♥ Mamis








quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Buenos Aires e seus cães – uma impressão pessoal




♥ Com a palavra, mamis:

Passamos 4 dias, semana passada, em Buenos Aires e não pude deixar de registrar todos caninos e felinos que passaram pelo nosso caminho, por paixão e, também, por ser muito diferente de onde moramos, em vários aspectos. Passeie com a gente: 


Primeira parada, uma homenagem à nossa Luninha, logo no começo do caminho


Ficamos hospedados no bairo Microcentro, que é o centro da cidade, com bancos, restaurantes, lojas, monumentos e muitos escritórios. Por lá, devido ao movimento intenso de carros e pedestres e, também, por não ser um bairro residencial, vimos poucos cães e gatos. 


O que me surpreendeu foi que esses cães andam com seus tutores, em sua maioria, sem guia, na avenida 9 de Julho, que é enorme e movimentada. Mesmo assim, os poucos que vi, seguem seus donos cegamente. Em nenhum momento vi algum tentando atravessar a rua sem o dono, todos esperando, sem comando e sem guia. Esse pastor enorme, por exemplo, estava com uma moça que tinha mais dois virinhas, todos sem guia. Me aproximei dele e tentei chamar sua atenção, mas ele não me deu a mínima. Abriu o sinal para pedestre (que faz tipo um assovio de passarinho) e ele foi correndo ao encontro de sua dona, que já atravessava a rua com os outros dois. E a “rua” que eu falo, tem 6 pistas pra ir e 6 pra voltar mais duas pistas de ônibus. Eu não teria coragem, não acho pudente, mas parece que lá é bem comum. 


Passeadores de cães são muito comuns por lá, diferente daqui. Este, no bairro San Telmo, esperando mais um cliente. 


É comum ver cães amarrados fora de estabelecimentos, esperando seus donos. Outra prática que eu morro de medo por deixar o cão a mercê de qualquer um. Este cão era dócil, mas, pra variar, não me deu muita bola também


Enquanto visitávamos Puerto Madero, avistei esse cão solto, mas logo vi que era desse rapaz, que passeava com outro na guia. Logo no primeiro dia notei que a maioria dos cães são sem raça definida, mas quase nenhum dos machos castrados.




E achava que tinha encontrado o paraíso na Plaza San Martin, no bairro Retiro: um dog park! Mas logo fiquei sabendo que não poderia entrar. Abri o portão, uma moça muito rude disse que eu não poderia entrar. Aí fui procurar placas de regras do parque, já que estava numa praça pública. Notei que só duas pessoas estavam lá, com dezenas de cães. Na falta de placas, perguntei à moça e ela disse que era uma cuidadora de cães e que eu só poderia entrar se tivesse um cão também, o que me pareceu mais um “não atrapalhe meu trabalho”. Ok. Aceitei, mas fui esmagar os cães por fora do cercado, como toda boa Felícia faria.


Alguns cães ficavam presos com guias aos muros, outros ficavam dormindo e outros brincando. Apesar de notar que os machos não eram castrados, que alguns trepavam nos outros, outros chamavam pra brincar, alguns se irritavam, não vi nenhuma briga em momento nenhum. Mas não achei muito divertido e as duas pessoas que estavam com eles eram extremamente grosseiras e mau humoradas, inclusive com os cães.


Na vitrine de uma loja.


Fiquei impressionada com a quantidade de cães que cada passeador leva e com o comportamento deles, todos focados na caminhada, sem sair da vibe do pack. Vi que eles param com eles nos parques, que são enormes e cercados, e soltam aqueles que não são agressivos pra brincar e, os cães não saem de perto do cuidador, mesmo passando outros cachorros ou pessoas. Um ponto negativo são as fezes, que a maioria não junta pois não vêem ou ignoram.


Uma dupla de cuidadores que estava com uns dez cães, finalmente foi simpática comigo e deixou eu me aproximar. Só sentei perto da matilha e deixei que os que quisessem se aproximassem. Entendo o trabalha do cuidador pois fiz isso por quase 3 anos nos EUA, mas jamais fui antipática ou pouco solícita com pessoas que vinham abordar “meus” cães na rua ou em parques. Pelo contrário: é motivo pra puxar conversa e trocar ideias. Mas me parece que lá, poucos pensem assim, talvez porque estão trabalhando e não são seus cães. 


No fundo, outro grupo de cuidadores com seu pack. Esse boxer veio apenas latir para mim e voltou ao pack, enquanto eu estava com os primeiros. 


Vi vários “Jets”, Jack Russel Terrier, uma das raças predominantes por lá. O coração ficou esmagadinho de saudades! ♥


Aqui já é na Plaza Francia, em frente ao cemitério Recoleta, onde a maioria caminhava com seus donos. Esses que acarinho na foto abaixo, eram dessas duas cuidadoras que estavam de papo e me agradeceram por ficar jogando a bolinha pra eles.


No Cementerio de La Recoleta, dizem, tem vários gatos que moram lá, mas só encontrei essa lindinha, bem na hora que achei o túmulo que eu queria visitar, da jovem Liliana e seu fiel amigo Sabú. Dizem que ela morreu tragicamente em sua lua de mel, em outro país, e que, imediatamente o cão sentiu e veio a falecer. Dizem também que tocar o nariz do Sabú traz sorte àqueles que amam os animais. Quem me conhece sabe que não sou a mais emotiva das pessoas, mas quando li a mensagem aos pés do cão, pensei imediatamente no meu querido Jet, em como eu gostaria que ele estivesse comigo e me emocionei. Linda homenagem, que está toda em italiano, escrita pelo pai da moça.


Essa fofa trazia a bola, colocava dentro da poça e pedia pra eu jogar. E eu enfiava a mão na poça e jogava, né? Seu dono sorria e acompanhava de longe.


A maioria dos restaurantes, salvo no centro, tem área externa e com placas dizendo que os amigos de pêlos são “benvenidos”.


Fomos visitar o Jardim Japonês, na Plaza Sicilia, e confesso que não achei nada demais. Carpas gordas e enormes no laguinho e gatos magros, não castrados e carentes na entrada. Esse estava desesperado por carinho (ou comida)


Muitos idosos com seus cães, passeando e vivendo, nos parques e cafés.


Essa foto da mão vazia, é justamente pra mostrar o desinteresse geral dos cães argentinos por humanos. Eu os chamava, eles vinham um pedaço e voltavam ou não me davam a mínima bola. Obviamente que em um ambiente enriquecido, cheio de plantas e outros animais pra brincar, eles ficam mais dispersos, mas percebi que eles não são “dados” ou curiosos como a maioria dos cães brasileiros e prestam muita atenção em seus tutores. Bom pra eles, ruim pra mim


Esse simpático passeador arrumou um jeito de passear com vários ao mesmo tempo. Visto que a maioria para nos parques e fica a manhã ou tarde toda, achei bem criativa e a ideia.


Anúncio no Jardim Botânico, onde vimos muitos gatos que pareciam muito mal cuidados, apesar de ver ração em todo canto. Como não são castrados, deve rolar muita briga por fêmeas e território, além das doenças comuns em gatos de rua.


Único parque que vimos onde não podia acesso de animais. Acho justo, visto que tem vários no mesmo entorno.



Voltando ao centro, mais cães sem guia. Aqui era domingo, ao menos, com bem menos carros. 

Resumindo, vimos cães felizes e bem cuidados, tratados mais como cães do que humanos, como acontece muito no Brasil. Pouco frufru, pouca coleira de marca e lacinhos, mais passeios e brincadeiras. Vimos apenas UM cão de rua, que parecia ser de rua. Todos os outros estavam acompanhados de humanos, inclusive um com um mendigo, que parecia muito bem tratado. O porém vem da questão da castração. Apesar de termos visto somente um cão de rua, ficamos na área central e turística da cidade, que não deve refletir a realidade. Com tanto cães inteiros, onde vão parar seus herdeiros? Não sei como é feito o controle na cidade, mas fiquei feliz de perceber que mais da metade dos cães que vi eram sem raça definida, provavelmente adotados.

E foi isso. Alguém mais foi pra lá e teve alguma outra impressão diferente da minha?

Um beijo, mamis (também conhecida como Mari Siebert)