quarta-feira, 17 de junho de 2015

Entrevista para Revista FoxPet, por Raphael Augustos, da VIVA! Pet



Entrevista copiada na íntegra da Revista FoxPet, que pode ser vista AQUI.
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O carismático, o cosmopolita, o indomável, o famoso DARCI: A Fantástica História do Demônio da Tasmânia Encarnado em um Cão!


Raphael Augustus: Para começar a nossa entrevista nos diga quem é o Darci por Mariana Siebert?

Mariana Siebert: Nunca classifiquei meus cães, assim como uma mãe jamais classificaria seus filhos, como o mais ou o menos amado. Todos receberam todo amor e cuidados que precisaram e cada um teve e tem sua personalidade marcante, uns mais fáceis de lidar, outros mais difíceis.

O Darci é aquele mais fácil e também o mais difícil. É muito fácil gostar dele, sorrir ao vê-lo, entender o que quer e precisa, se deixar amar e amá-lo. Quem o conhece sabe seu enorme poder de conquista imediata. Mas também é um cão muito difícil e temperamental. Quer tudo na hora, tem um berro estridente e muito alto (e sabe usá-lo na hora certa), tem uma energia que precisa ser gasta todo dia, rouba comida, rói tudo que vê pela frente e não respeita limites, quando ele quer algo. Ok, talvez metade desses `defeitos´ são culpa minha, por fazer as suas vontades, para parar de me irritar. Mas é que nunca tive um cão assim, que me incomodasse tanto, mas que me fizesse também tão feliz. Todos os outros conhecem ou conheceram a noção de limite muito bem e naturalmente. Já ele não: consegue o que quer. Sempre! E, talvez, isso seja uma qualidade. Para ele, tenho certeza que sim.

Mas Darci é isso: um cão com luz própria, que brilha muito por onde passa. Um cão com pouquíssimas sequelas psicológicas do seu sofrimento nas ruas. Talvez porque ele vive o clichê do ´carpe diem´ e aproveita exatamente o agora, sem desperdiçar um minuto com o que não lhe interessa. Apesar de tudo isso, é um cão extremamente amoroso e apegado a mim. Alguns diriam que é o cão perfeito. Eu talvez o diga, um dia.

Raphael Augustus: Mari, imagino que você já tenha explicado muito, muito mesmo o processo de adoção do Darci. Mas quero que você nos conte as situações mais marcantes – divertidas e constrangedoras – sobre todo esse processo de viver com o ele.

Mariana Siebert: Sim, mas não me canso de explicar, assim como nunca canso quando o assunto são eles. O Darci foi abandonado no ´estilo clássico´: jogado porta afora de um carro, com fêmur quebrado, na madrugada e visto por um dos motoqueiros que cuidam da rua. No dia seguinte, quando fui alimentar o Ganiza numa obra, como fazia todo dia, o vi e já comecei a perguntar de quem era etc e a história me foi contada. Ganiza, já morando há alguns anos aqui na rua, pulando de casa em casa, sempre fez questão da sua liberdade. Mas, como todo alfa, não deixava nenhum cão macho ficar aqui na rua. Darci insistiu e Ganiza desistiu. Acredito também que ele não era um empecilho ainda, pois tinha cerca de dez meses e, extremamente submisso, não era páreo para o Lord Ganiza. E, como vocês já sabem, ele sempre consegue o que quer.

A construção já estava no fim, os pedreiros tratavam bem, davam restos de comida, tinha paninho, mas logo foi colocado pra fora pelos novos moradores e ele passou a andar com o Ganiza, que conhecia todos os abrigos e onde obter comida na localidade. Nesse meio tempo o levei para fazer um raio-X da patinha e não tinha muito mais o que fazer: a fratura já estava semi cicatrizada e teria que quebrar novamente e colocar pinos. E, para um cão de rua, adolescente, sabemos que isso é impossível. Tomou remédios para uma possível inflamação ou dor no local, pelos próximos meses. Teve também todo aquele trato com antipulgas, retirada de carrapatos gigantes (não me pergunte como, mas Ganiza nunca teve nem um, nem outro), comida boa, água e um paninho quentinho.

Eu já tinha cinco cães, que era o nosso combinado, de acordo com o espaço e condição financeira na época e, tinha acabado de perder o Jet e o Gato e adotado a Luna. Passaram-se uns dois meses, várias fotinhos e cartazinhos pra adoção etc e, sendo porte médio, alaranjado e de rua, nenhuma boa alma apareceu pra adotá-lo. Nem sequer para perguntar algo. Ele vivia praticamente no meu portão, grudado com a Luna na cerca, brincando através dela. Quando eu podia, passeava com a Luna e ele ia do lado todo feliz. Mas me cortava o coração voltar, abrir o portão e ele forçar pra entrar. Era o combinado. Somos uma família e temos nossos limites.

Então, um dia, como costumava fazer, estava na rua ali com ele, fazendo carinho, procurando parasitas, e falei pro meu marido: ´ontem eu vi, ele quase foi atropelado, meu coração foi na boca. Se ele for atropelado vou ficar muito mal, vou colocar ele pra dentro.´ E foi aí que, exatamente no dia seguinte, ele ´se jogou´ embaixo de um carro. Ouvi os berros aqui de casa e sai correndo com coração na boca, achando que o pior tinha acontecido. O carro tinha parado, alguns vizinhos chamavam ele, que tinha corrido pro mato e continuava berrando. Foi somente quando eu o chamei, na beirada do mato, que ele veio correndo. Abaixei-me e ele veio no meu colo, chorando baixinho, com sangue escorrendo de algum lugar. No fim, levamos no veterinário e o moço que atropelou, um surfista famoso (sim, Darci não se joga embaixo de qualquer carro) pagou por tudo, como manda a lei, mas não podia ficar com o ele. Ele foi atropelado nas duas patinhas da frente, gerando somente luxações e o sangue vinha de cortes na boca.

Voltou do veterinário direto pra minha sala. Semi sedado por alguns dias, raios-X ok, era apenas controlar a dor e esperar os ferimentos sararem. Como ele ficava muito no portão, não precisou de adaptação: meus cães já o conheciam e o deixaram descansar. Um anjo. Pois estava sedado! Uns dias depois de parar a medicação, ele se transformou nesse cão que vocês já conhecem: um amor e um peste. E foi impossível continuar com o projeto de doá-lo.

Bom, o ´viver com o Darci´, só acompanhando as redes sociais dele mesmo pra entender. É um dia-a-dia alegre mesmo, onde tu olha pra ele e pros outros e sorri com o coração, sabe? É também toda hora estar de olho pra não deixar roer nada, não comer algo que não devia. Mas também é deixar e curtir ele ´ser cachorro´: cavar uns buracos, rolar na lama, brincar de morder, roer um coco verde, brincar de cabo de guerra etc. Essas são as ´artes assistidas´. As outras são todas surpresas. Mas também é não poder se entregar a uma gripe, não conseguir ver um filme inteiro, desconcentrar do trabalho (em casa), cozinhar com dificuldade, lavar mil panos, recolher espuma de caminhas em todo lugar. E é também fazer todo esse trabalho valer a pena ao vê-los fortes e saudáveis, cansados de brincar no fim do dia, entregando-se ao sono com a barriga cheia e uma cama quentinha.


Raphael Augustus: A Björk e o Reznor, meus dois cães, usam produtos do Darci. Diga-me como surgiu a idéia de montar a Página do Darci?

Mariana Siebert: O Darci surgiu virtualmente, logo no começo, quando eu mostrava muito o Ganiza na rua. Como o pessoal me ajudou financeiramente a tratar um tumor e castrá-lo, gostava de mostrar pra onde foi este dinheiro e o bem que as pessoas conseguiram proporcionar, além do amor que eu já tinha por ele. E logo no primeiro dia que postei a foto do Darci, em cima de um entulho da construção, surgiram vários elogios quanto à sua simpatia, juntamente com os tradicionais ´coitadinho´. E o pessoal foi acompanhando a historia dele pelas minhas redes sociais e, a cada foto, ele encantava alguém, apesar de ninguém ter se prontificado a adotá-lo. E foram tênis, pés de mesas, câmeras fotográficas, braços, pernas, coleiras, fundo do carros destruídos, gerando muitas gargalhadas Brasil afora, que me fez fazer, primeiramente, a fanpage dele.

Enquanto isso eu trabalhava com a minha marca de acessórios e enfrentava, mais uma vez, a agorafobia, devido a uma condição que eu já tinha, agravada com a morte repentina do Gato e do Jet. E ele veio no meio desse turbilhão. Eu sempre expunha em feiras, além do e-commerce, mas nunca gostei de atender o grande público, sempre ficando ansiosa e não sabendo vender, apesar de amar confeccionar. Quem tem ou já teve síndrome do pânico, sabe do que eu falo. E quem não tem, é quase impossível explicar.

Então as pessoas começaram a pedir pra ver o Darci pessoalmente e eu pensei: porque não levar em um evento desses, onde circula muita gente, já que, ao passear na rua com ele, eu já sabia da tara dele por conhecer pessoas e outros cães? Ainda assim pensava que ele era muito agitado, mas resolvi arriscar, com ajuda da minha amiga Aline pra segurá-lo, se precisasse. E foi assim. No primeiro dia da feira, que ele não foi, passei muito mal e tive que ir embora, devido a este meu problema. No seguinte, com o Darci, mal tive tempo pra pensar em mim, pois ele infernizou a cada minuto, deixando minha amiga nas vendas e eu tentando controlá-lo. Ele queria comer tudo que as pessoas estavam comendo, invadir os stands de comida, ficar no meio da banda enquanto eles tocavam, mexer na sacola de todo mundo, sentar no colo de todos, tirar pessoas do sofá pra ele sentar, brincar com as crianças etc. E foi aí que a produtora do evento falou que estava complicado trazer ele outra vez, tentando, com toda educação do mundo, que eu desistisse da ideia. E foi aí que todos começaram a perguntar por ele, o que fez com que produtora o convidasse pro próximo evento.

Obviamente eu e ele fomos aprendendo a lidar com espaços assim e hoje, normalmente, ocorre tudo bem em eventos. Salvo quando tem comida. E banda. E sofás proibidos. E crianças brincando com ele. E foi assim que ele me deu o melhor presente: fez-me me sentir bem dentro do meu próprio corpo, até então, incontrolável. Coisa que eu não sentia há muito tempo, naquela época. Fez-me conversar com pessoas estranhas e sair do casulo. Fez-me caminhar mais, pegar mais sol, sair mais de casa, viver mais. E acho que é a primeira vez que conto isso assim, pra todos vocês. Até porque eu sempre resumo bem essa história, pulando a parte do ´eu´.




Raphael Augustus: Outra grande curiosidade que tenho – e creio que muitos seguidores do Darci também tenham – é como surgiu a personagem e como um cão resgatado se transformou nessa marca?

Mariana Siebert: Como citado acima, ele surgiu mais ou menos por me pedirem para postar mais e acompanhar o dia-a-dia dele. Como eu vi que isso dava certo e gerava muito engajamento nas redes sociais, resolvi incluir também educação nesse meio, o que é o grande diferencial da página, no meio de tantos perfis de cães e gatos na internet.

O Darci, em si, não faz nada que muitos cães por aí fazem e acabam virando temas de historias engraçadas entre amigos e familiares. Mas juntando minha vontade, que sempre tive, de educar as pessoas quanto à questão dos animais domésticos, e um pouco sobre o meio ambiente, conseguimos fazer brilhar a estrela do Darci. Foi um combo que deu certo: dia-a-dia com humor e positividade (que é o dom dele) + educação / ajuda aos animais resgatados. Como não tenho perfil para ser protetora (resgato e não consigo doar, me apego), dessa forma posso ajudar indiretamente: incentivo as pessoas a castrarem seus pets, a não comprar, indico protetoras e animais pra adoção, entre outras dicas que as pessoas acabam seguindo. Várias pessoas me contam (ou ao Darci) que castraram seus pets pois viram na página os benefícios ou a clínica indicada, que compravam pets mas agora sabem o sofrimento e, numa próxima, adotarão, entre outros. E isso que nos faz seguir com fanpage e outras redes sociais de apoio, sabendo que, ao mudarmos vidas com simples posts, vale a pena a foto, a pesquisa, o empenho no texto, as publicações programadas diariamente, várias vezes por dia. Daí também surgiu a ´loxinha´do Darci, já que deixei meu trabalho meio de lado e tenho dedicado quase todo meu tempo e energia com este novo projeto. Acho justo ganhar nossa vida com este projeto, até porque o valor vai praticamente todo pra sustentar os animais da casa.

Por fim, costumo dizer que ele é sim uma personagem, até com a ideia de uma futura HQ só dele, mas uma personagem de si mesmo. Procuro entendê-lo e expressar seus desejos e vontades através de palavras humanas. Tenho certeza que se ele falasse aprovaria cada fala e ação que a gente faz.


Raphael Augustus: Hoje você vê o Darci como um garoto propaganda para as questões de conscientização sobre adoção e castração?

Mariana Siebert: Com certeza! Através dele tivemos um alcance inacreditável, que eu nunca tive sozinha, por mais que tentasse. Pessoas de outros estados informando outras sobre um local que castra socialmente, que eu nunca iria saber ou ter acesso. Outras se oferecendo pra ajudar de alguma forma por pedidos do Darci. Adoções locais diretamente da fanpage pro protetor. Conhecimento sobre a realidade dos criadores de fundo de quintal e sobre as raças e seus sofrimentos. Cuidados e novidades sobre alimentação e outros que, eventualmente, passamos e as pessoas desconheciam. Até mesmo excessos de cuidados que, pelo menos por aqui, não curtimos muito, no sentido de deixar o cão ser cão, se sujar, comer comida natural, nadar etc. E amor. Parece clichê, mas sei que transmitimos amor, mostrando nossa matilha que é cheia dele.

Raphael Augustus: Mari, você acredita que, de algum modo, o sucesso das aventuras do Darci resultam de, ou colaboram com uma sociedade mais Pet Friendly?

Mariana Siebert: Então, esse nunca foi um objetivo da página, mas, há pouco tempo, andei pensando sobre a importância disso devido à frequência que saio com ele e também aos eventos que foi vetado sua presença. Eu gosto, ele ama, as pessoas gostam e se divertem com ele e respeitamos o espaço de quem não curte também, é claro. Então comecei a pesquisar e me unir a algumas pessoas que também tem esse ideal e, de um tempo pra cá, também mostramos nas redes todos os locais que frequentamos onde cães socializados são bem-vindos e aceitando convites de alguns que nos convidam pra conhecer. Além disso, estamos elaborando plaquinhas de ´petfriendly´ do Darci, pra oferecer e incentivar os estabelecimentos a se orgulharem de ter um espaço pra eles. Claro que sempre frisamos que o cão deve ser socializado, educado e, de preferência, castrado.

Raphael Augustus: Será que está havendo, de algum modo, uma valorização – ou mesmo um novo olhar – sobre os cães SRD (Sem Raça Definida)? Como você encara isso hoje?

Mariana Siebert: Acho que sim, mas nem tanto. Existem muitas pessoas que se dizem super a favor da adoção, que erguem placas e discursos lindos, mas na hora de escolher, compram um de raça por vários motivos que, pra mim, não tem uma explicação plausível. Rola ainda muito preconceito e informações distorcidas, além do apelo emocional que filhotes e cães da moda têm em pessoas menos informadas ou menos sensíveis ao que acontece fora do seu mundinho cor-de-rosa. De qualquer forma, é preciso se educar contra o não-abandono e maus-tratos, que acontece tanto com os animais de raça ou sem, mas que pode ser muito, mas muito diminuído com a proibição do comércio de vidas. Porque não adianta SRD estar na moda, pois a moda dura pouco. É preciso ter consciência da vida e suas necessidades por anos, independente do tipo de animal.


Raphael Augustus: Por favor, nos conte um pouco sobre a sua matilha, ou seja, os outros irmãos do ilustre Darci.

Mariana Siebert: Em um breve resumo, o Zorro é o que está há mais tempo na família no momento. O pioneiro foi o saudoso Jet, o primeiro e mais mimado dos filhos. Adotado nos EUA em 2006, vindo pro Brasil final de 2008 e falecido (devido às complicações da raça) em 2012. Falei lá em cima sobre não existir números para o amor, mas o Jet foi o cão mais importante da minha vida, no sentido de que foi o primeiro e foi o único por muito tempo, e que ele dependia muito de mim, se tornando quase uma doença, mas me ensinando muito sobre adoção, raças, como criar um cão e a interdependência entre humanos e animais. Eu o ensinei a ser mais cão e ele me ensinou a ser mais humana, no sentido humanitário da palavra.

Depois e junto com o Jet, já no Brasil, adotamos ´sem querer´ o Gato: eu me ofereci de lar de apoio e a pessoa sumiu. Meu primeiro e único felino, especial como meus outros animais, era amoroso, enorme e faleceu uns dias depois do Jet, com um misterioso câncer no estômago, segundo a ciência. Eu já acredito que eles se tornaram inseparáveis, como devem estar agora.

Voltando ao Zorro, cuidei dele por um ano na rua do meu prédio e, quando me mudei, levei junto pois estava jurado de morte por algumas pessoas por apenas existir. Foi sempre muito querido e submisso, e está aqui no meu pé agora, como faz o dia inteiro, se estamos em casa. Como nos mudamos para uma casa, com mais espaço, com o Jet, Gato e Zorro, ofereci lar de apoio pra uma amiga, que veio com a Pupi e seus cinco meses. Pupi foi abandonada com seus irmãos, com dias de vida. Foi doada com a irmã para uma pessoa que parecia ótima. Alguns meses se passaram e a moça dizendo que estava tudo bem, até que a protetora as visita e elas estavam quase sem pelos devido ao stress que o marido da moça oferecia a elas. Chegou lá em casa ainda mal, mas um amor de cadela, ainda mais pra pouca idade. Logo o pelo voltou e ela e o Zorro se tornaram inseparáveis até hoje.

Em seguida, outra amiga encontrou um pequeno e magro cão correndo na chuva e o pegou, mesmo estando com a casa lotada. Ao vê-lo melhor, percebeu que o Jorge era super idoso e que seria difícil doar. O único espaço que ele estaria seguro na casa dela seria o banheiro e foi lá que ele ficou por alguns dias, até que decidimos, mais uma vez, fazer lar de apoio. Pra sempre. ´Ah, deixa aí, é velhinho, vai durar somente alguns meses, não vamos mudar ele de casa outra vez, vai sofrer muito´. E assim nosso amado Jorge viveu mais uns cinco anos e deve ter completado seus 18, senão mais. Darci conviveu os primeiros meses com ele e amava dormir grudado. Parece que sabia o pouco tempo que tinha com nosso velho. Foi a morte mais bonita dos nossos, se podemos dizer assim. Cumpriu sua cota de vida, morreu dormindo, provavelmente seu coração fraquinho expirou o prazo.

Depois do Jorge, abandonaram a Nana e a Nina na frente da nossa casa, ainda no Campeche. Comecei a cuidar na rua, com todos vizinhos reclamando, como sempre. Um surfista que sempre ia ali amava a Nana, que corria e nadava com ele na praia. Ele a levou num dia e, no outro, depois de uma longa madrugada, lá estava ela no meu portão. Então esse moço resolveu adotar a irmã dela, que era muito mais calma e se adaptou bem com o cão que ele já tinha. E Nana, de pernas longas e ágeis, nos adotou, pulando o nosso muro de uns dois metros, pra dentro, ficando por ali.

E tinha o meu Chico, que cuidei por alguns anos nessa mesma rua. Que eu sentia o mesmo amor, mas era um cão de alma livre, que não queria ser adotado. Ele meio que morava num vizinho quando chovia ou fazia frio, mas pulava muros enormes e ia pra praia curtir sua liberdade e comida em frente a minha casa. E foi envenenado e assassinado. E os meus cães também foram. Três vezes. Só não consegui salvar o Chico, pois ele se escondeu no mato, onde encontrei seu corpo, pra morrer.

Então nos mudamos pra rua do Ganiza com a trupe toda: Jet, Gato, Zorro, Pupi, Nana e Seu Jorge. Logo que o Jet e o Gato se foram, adotei a Luna, da minha amiga protetora Pri Fernandes. Baixinha folgada, como vocês sabem, é a melhor amiga do Darci. Veio depois de um resgate difícil, quatro filhotes, tumores e três cirurgias. Hoje é uma espoleta feliz. E então veio o Darci e, logo após, assim como a Nana, o Ganiza nos adotou, pulando o muro pra dentro também. Depois de apanhar de alguns cães na rua, nosso velho resolveu se aposentar no nosso clã e foi muito bem recebido, mudando a casinha e potes que ele tinha fora do portão, para dentro.

E, como isso nunca tem um fim, podemos dizer que também ´temos´ os felinos que castramos e cuidamos no terreno do lado de casa, Branca e seus filhos Gru, George, Gato e Maria Rita. E todo dia torcemos pra eles não saírem do terreno, onde têm tudo e é enorme e murado, mas é um risco que correm e assumimos por serem ariscos demais para serem doados.

Ufa! Um resumo enorme, não?


Raphael Augustus: Certa vez você comentou comigo que você e o Darci foram chamados para alguns eventos e que você sempre deixou claro que quem decide a permanência do Darci é o próprio Darci. Acho valiosa essa sua sensibilidade e postura – e sei que muitos não entendem – já quem pensam que um cão deve fazer o papel desejado pelo dono, indiferente do que o cão necessita realmente. Mas, como isso reflete nos trabalho de vocês?

Mariana Siebert: Então, como ele não se comporta como a maioria dos cães, que têm medo de certas pessoas ou coisas, de ambientes diferentes, música alta etc, é mais fácil com ele realmente. Tanto que as pessoas pedem pra levar a Nana, o Ganiza etc e eu falo que infelizmente não levo pois eles não se sentiriam bem. Eu conheço meus filhos. Ganiza fica super bem caminhando aqui no nosso bairro, que era o reino dele. E só. Ele não vai e nunca foi nem na rua geral. Nana adora caminhar na beiramar e na praia, mas quando estão mais vazias. Levar ela num sábado ou domingo, é tortura. Ela, ao invés de se divertir, fica tentando se defender das bicicletas e skates, de algo que só ela sente, e se tornando agressiva. E assim vai...

Diferente deles, o Darci, se fica a semana toda em casa, sem ver gente, mesmo brincando horrores aqui no quintal com os outros cães, ou passeando pelo bairro de coleira, ele fica estressado. Coloco a gravatinha nele e passo perfume (pra disfarçar o fedor), ele pula de alegria e começa a arranhar a porta do carro. Ele gosta até de ir a pet tomar banho (onde eu dou o banho). E em casa ele não gosta desta tarefa. Mas lá tem gente, tem ossinho, tem mimo, tem novidade, tem passeio de carro. É um arroz de festa! E muitas vezes ele dorme ´em serviço´, sempre na caminha dele que levo, e as pessoas ficam com pena. Mas eu sei quando ele quer ir embora, pois ele resmunga e fica me puxando em direção ao carro. Quando ele apenas está cansado, desde que eu esteja do lado dele, ele dorme profundamente, sem problemas nenhum. Então eu sempre aviso pro programador do evento que ele é um animal, que talvez ele não queira ou não saiba fazer o trabalho proposto, mas que vamos tentar. Falo também o que ele tá acostumado a fazer e como costumamos agir, o que é mais provável de acontecer. Mas nunca dou garantias. Assim como aprendi a me respeitar e a dizer não quando preciso, o mesmo ocorre com ele. Ele não é um robô. E como eu disse lá em cima, ele só faz o que quer realmente.

Raphael Augustus: E para finalizar. A última questão é para o Darci. Darci quem é a Mariana Siebert?

Darci: A uau a uau auauauu auuau woof! Auuuuuu auauauu a uau woof sniff au auau au.

(Tradução: Ela é minha mamis, nossa mamis. Foi ela quem reuniu essas pessoas maravilhosas que amo, que são meus irmãos de patas, minha família, que morro de saudades cada vez que saio de casa, mas que mostro cada cheirinho quando volto. Foi ela quem insistiu pro papis pra me aceitar. Ela que me dá almoço (papis dá jantar). Ela que abre a porta quando choro e não quero ficar sozinho no quintal. Ela que me chama pra ficar na cama, escondido, assim que papis sai pra trabalhar. Ela que me leva pra todas zueiras. Ela que acha graça de tudo que eu faço. Ela que manda a Luninha parar de bater em mim. Pra ela que eu corri quando fui atropelado. Ela que eu fico de olho quando se afasta. Pra ela que peço colo. E por ela eu daria minha vida, com certeza. É meu porto seguro.)

Fotografia Kellen Vianna